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terça-feira, 5 de março de 2013

As beterrabas perdidas



As beterrabas perdidas
Márcia Maria de Paula
Num país que tem 5.565 municípios (Censo IBGE 2010), onde a maioria deles tem menos de 20.000 habitantes e que a economia gira em torno da agropecuária. Num país em que 84,4% dos estabelecimentos rurais são de agricultores familiares (Censo Agropecuário 2006). Num país, que teve sua história econômica alicerçada na produção agrícola, e que se fala oficialmente que em 2000, 81% da população era urbana e que esse número subiu em 2010, para 84%. Essas informações colocadas nestes termos são questionadas. O pesquisador José Ely da Veiga, professor da USP em seu livro Cidades Imaginárias – 2003 questiona essa classificação e mostra que o Brasil é muito menos urbano que se fala.
Nesse mesmo país, que em seus poucos mais de 500 anos de “colonização”, conseguiu um feito histórico, onde em menos ou quase 50 anos, tirou a população do campo trouxe para a cidade, para atender a indústria que nascia. Os dados mostram que na década de 1950, 80% da população vivia no campo e conseguia plantar, colher com um conhecimento acumulado de no mínimo 8 mil anos, que sumariamente esse conhecimento foi tirado, arrancado, desses agricultores, nestes últimos 50 anos, com a chamada modernização da agricultura. Uma riqueza enorme de espécies, raças e técnicas de cultivo foram perdidas, dando lugar à modernidade, insumos químicos e sementes altamente produtivas.
Nesse mesmo país, com 190.732.694 pessoas (Censo IBGE 2010) que necessitam de alimentos todos osdias, infelizmente vemos ainda um descaso enorme com esses pequenos
ag ricultores e agricultores familiares, que contrariando toda ordem econômica e seguindo seus instintos e sua relação com a terra, plantam, cultivam, criam e não conseguem colocar os seus produtos no mercado. Um mercado que ao mesmo tempo que quer padrão, agilidade, profissionalismo, quer produtos de qualidade, isentos de resíduos de veneno, produtos frescos, ricos em nutrientes.
Nesse país, que fala que faz reforma agrária, “joga” milhares de famílias com os seus sonhos num campo longínquo, que ninguém chega nem sai, pois nem estrada tem. Nesse país, os produtores de leite, por exemplo, que com um conhecimento herdado de seus pais,
de seus avós fazem queijos que qualquer chef renomado gostaria de apresentar nos seus cardápios gourmet, agem como verdadeiros “foras da lei” entregando sua produção às escuras, com medo da fiscalização. Produtores de doces, descascadores de mandioca precisam desembolsar uma “fábula” (quando tem… e isso é uma minoria, pois são pequenos agricultores), entre tantas exigências só um exemplo, a construção tem que muito boa e entre tantas exigências, deve ter dois banheiros. Ironicamente, deve ser um para a esposa, e outro para o esposo (só lembrando que infelizmente, nem todo agricultor familiar, ainda tem sequer um banheiro).
Nesse país, nesse estado, nesse município, a produção agrícola ainda é perdida no campo, por falta de transporte, por falta de se organizar o processo de produção que envolve toda uma logística adequada. Deliciosas “tachadas” de rapaduras produzidas com todo cuidado, revestidas de uma dose enorme da cultura local, também são perdidas por falta de armazenagem adequada.
Tudo isso nos causa espanto, transtorno, revolta. Talvez a palavra mais adequada seja indignação. Esse país rural, que “enche o peito” pra falar que é urbano, desrespeitou, desconsiderou e destratou o pequeno agricultor. Na realidade se fez um desserviço.
Porém, espera-se que esse cenário tende a mudar muito rapidamente. Estamos vendo nos últimos anos, a partir da década de 1990 uma série de políticas públicas, na dimensão federal, voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar. Em primeiro lugar, com oacesso ao crédito, via o PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, e mais recentemente com os programas de apoio à comercialização como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que prevê no mínimo a compra de 30% de alimentos da agricultura familiar.
Com isso, estados, municípios, instituições, agricultores estão se mexendo. São necessárias
políticas públicas de apoio à agricultura familiar nas dimensões do estado e do município. São necessárias as adequações das legislações sanitárias, que no Brasil, só atendem a agroindústria empresarial. É necessária, a assistência técnica, respeitando a cultura, o ambiente, as aptidões, as pessoas, organizando o que na realidade já tem uma ordem, talvez perversa. Finalmente, é necessário não deixar as melancias, beterrabas perderem no campo! Aliás, a natureza é sábia, no campo elas não serão perdidas, não serão lixo, serão fertilizantes para o solo!
Márcia Maria de Paula
Engenheira Agrônoma
EMATER MINEIROS GOIÁS
marcia@emater.go.gov.br

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