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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Combate aos agrotóxicos, uma questão de política


Cléber Folgado


Durante a Agro Centro-Oeste familiar, realizada em junho na UFG, o coordenador executivo da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Cléber Folgado, destacou os desafios de se travarem debates críticos a respeito do tema
Patrícia da Veiga

Cerca de 30% da hortifruticultura consumida em Goiás está contaminada por resíduos de agrotóxicos, apresentando teores abusivos de produtos que, ou não são considerados apropriados para os alimentos, ou sequer são reconhecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país, esse porcentual passa de 70%. Isso é o que indica o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), que, desde 2001, avalia o quanto a população tem sido afetada pela aplicação de veneno nas lavouras (veja o último relatório, com data de 2010, em portal.anvisa.gov.br). A questão é de saúde pública e também política, defende Cléber Folgado, coordenador executivo da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (www.contraosagrotoxicos.org). Segundo ele, os riscos que os agrotóxicos oferecem à saúde e ao meio ambiente são eminentes e devem ser analisados como consequências do modelo de agricultura vigente no país. “É preciso denunciar o agronegócio e anunciar a agroecologia”, defende. Grosso modo, poder-se-ia dizer que a agroecologia sugere produzir alimentos em bases sustentáveis, valorizando os saberes locais e sem (ou com o mínimo de) interferências industriais em seu processo. Atualmente, os movimentos sociais do campo vêm falando menos diretamente em reforma agrária e com mais veemência em agroecologia, como se aquela fosse uma consequência dessa. Cléber esteve em Goiânia no mês de junho, durante a Agro Centro-Oeste Familiar, lançando oficialmente as atividades da campanha no estado, e falou com o Jornal UFG sobre os desafios de se travarem debates críticos a respeito do tema. Confira.

Quais os argumentos das entidades envolvidas na Campanha para convencer as pessoas sobre a gravidade do problema?
Os argumentos partem de dois objetivos da campanha: fazer a denúncia do agronegócio e o anúncio da agroecologia. No caso da denúncia, buscamos desmistificar o discurso hegemônico de que o agronegócio é o único modelo possível de produção de alimentos com qualidade e que garante a entrada de divisas no Brasil. O agronegócio não produz alimentos, produz commodities, ou seja, recursos naturais para exportação. E boa parte desses recursos naturais (cerca de 1/3 das exportações agropecuárias) vem, na verdade, da pequena agricultura. Apontamos também que o agronegócio depende quase que inteiramente do Estado para garantir sua produção. Para cada R$ 150 bilhões produzidos, o Estado financia R$ 110 bilhões, sob a forma de crédito. Dessa forma, a médio prazo, esse modelo não se mostra viável do ponto de vista econômico e ambiental. Aliás, ambientalmente falando, a saúde é uma de nossas maiores preocupações. Temos muitos problemas de saúde relacionados com o uso indiscriminado e abusivo de agrotóxicos, ainda que de forma indireta, como perda de fertilidade, diversas formas de câncer, má formação de fetos, entre outras sequelas.

Qual seria a alternativa para esse cenário?
Apontamos a agroecologia por ser viável para a produção agrícola e para a produtividade, por respeitar o meio ambiente, e por que não é necessário dispor de um latifúndio para se fazer agroecologia, aspecto que reacende o debate sobre a necessidade de se fazer reforma agrária no Brasil, para gerar emprego, tanto no campo quanto na cidade.

Quais são os desafios enfrentados?
O principal é o de estabelecer um diálogo tranquilo e aberto com a sociedade. Estamos em uma luta simbólica e desigual com o agronegócio, que possui recursos, conta com o apoio de emissoras de TV e rádio, além de outras estratégias, como distribuir cartilhas nas escolas, destacando os "benefícios" do agronegócio. Outro desafio é envolver no debate tanto os camponeses quanto os trabalhadores da cidade, já que ambos são atingidos pelos efeitos nocivos do uso de agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente. Para isso, temos comitês da campanha em 22 estados brasileiros, além de 50 organizações vinculadas, como as ONGs de cunho ambientalista, as camponesas, como a Via Campesina, instituições públicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional do Câncer, sindicatos. Mas queremos expandir a campanha. Nossa meta é alcançar todos os estados da Federação, além dos municípios, aumentar a quantidade de organizações vinculadas e ampliar a participação dos profissionais da Saúde. Conseguimos certo avanço por meio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que aderiu à campanha, mas nos comitês ainda é pequena a quantidade de profissionais da área envolvidos.

Quais são e como estão sendo articuladas as bandeiras de luta definidas pela Campanha para atuação prática?
As principais bandeiras de luta foram definidas por consenso. A primeira é pelo fim da pulverização aérea de agrotóxicos. Apesar de haver legislação específica definindo as formas de aplicação dos produtos, na prática a lei não é respeitada. É comum encontrarmos aviões pulverizadores passando próximos a cursos d'água e a populações ribeirinhas, sem respeitar as distâncias mínimas. Dados governamentais também revelam que apenas 30% do que é aplicado alcança a planta ou o inseto. O restante fica na terra ou no ar. A segunda é pelo fim das isenções fiscais dadas às empresas distribuidoras de agrotóxicos no Brasil. Há seis corporações que controlam o mercado mundial desses produtos, arrecadando algo em torno de 70% do que é vendido no mundo. No Brasil, onde se consome 20% da produção mundial de agrotóxicos, essas empresas arrecadam 85% do que é comercializado. E essas empresas são isentas de muitos impostos. O fato de que essas empresas vêm para o Brasil, destroem nosso meio ambiente, contaminam nossa terra, nosso ar, conseguem lucros enormes - só no ano passado foram US$ 8 bilhões acumulados -, e no final estão isentas de pagar seus impostos não é uma incoerência? Afinal, qualquer brasileiro paga imposto para tudo. Já a terceira é pelo banimento imediato dos agrotóxicos que já foram banidos em outros países. Há uma lista enorme e somente 14 foram colocados em reavaliação pela Anvisa.

De modo geral, como tem sido a aceitação das pessoas?
Depende muito do grupo. Os agricultores estão cientes da problemática, mas sempre perguntam "como fazer"? Criamos então oficinas para produção de biofertilizantes e desenvolvimento de técnicas da agroecologia de modo geral. As pessoas da cidade desejam saber como encontrar e identificar produtos alimentícios de qualidade, sem veneno. Para os trabalhadores da Saúde, o foco são os efeitos do uso de agrotóxicos. Mas quando falamos para as pessoas que trabalham para o agronegócio, encontramos uma forte resistência. Elas argumentam que é "o agronegócio o responsável pela balança comercial", ou que "somente o agronegócio é produtivo". Ou então questionam: "E como vamos produzir comida"? Explicamos que o agronegócio não produz comida, pois 70% do que está na mesa da população vem dos camponeses. O curioso é que o espaço da universidade é o que apresenta maior resistência. Há uma ideia geral já consolidada e hegemônica, do ponto de vista ideológico, de que há somente um único modelo de produção possível. A verdade é que, se olharmos para o passado, veremos que na América Latina o modelo capitalista de agricultura tem pouco mais de 50 anos, enquanto a história da agricultura no mundo abrange um período de 10 a 12 mil anos. Então, se há somente um único modelo, como as pessoas sempre produziram alimentos?

Quando você fala em mudança do modelo de produção, está se referindo a uma saída do capitalismo?
Na prática, sim. A agroecologia é um conjunto de técnicas e de conhecimentos produzidos historicamente pela prática dos camponeses, que valoriza o trabalho humano e não a produção de commodities. Étambém um projeto político que retoma o debate da reforma agrária. Não é possível produzir em bases agroecológicas dentro dos latifúndios, já que sua extensão e função contrariam a prática camponesa. No Brasil, historicamente, latifúndio significa concentração e centralização da terra, atualmente praticadas por grupos econômicos e conglomerados internacionais. Uma das medidas históricas do capitalismo é sempre intensificar a produção em larga escala, com a consequente exploração excessiva dos recursos da natureza, como madeira, água, minério. Dessa forma, por mais que as ações da campanha, até o momento, sejam pontuais, temos a função de apontar a necessidade de uma transformação da sociedade. Se olharmos a fundo, notaremos que debater agrotóxico é debater agronegócio e também um modelo de produção para o campo brasileiro.

Seguindo esse percurso analítico, qual a diferença entre os conceitos de agricultura familiar e de campesinato? Em que consiste a defesa desses conceitos?

Se estudarmos a trajetória das pessoas no campo, vamos observar que existem vários nomes para o campesinato, cada um associado a um conceito. A princípio usavam-se os termos colono e colona, agricultor e agricultora. Eu sempre falo camponês e camponesa. É intencional.

Nos últimos 20 anos, com a disseminação das ideias de Ricardo Abramovay, instituições públicas e privadas difundiram a ideia de que seria possível integrar parcelas de agricultores tradicionais à produção das empresas. Nesta concepção, as famílias são parte importante do processo de integração. No Sul, por exemplo, são comuns os grupos integrados do frango, do suíno, do fumo. A empresa é responsável por toda a estrutura, que inclui os recursos administrativos e econômicos e todos os insumos. Em contrapartida, a família deve entregar a produção somente a esta empresa. O governo federal, por meio de seus programas, passa a impressão de que essa forma de agricultura familiar é complementar ao agronegócio. Em minha opinião, o termo “agricultura familiar” não impede parte do agronegócio brasileiro de usufruir de alguns benefícios econômicos da política agrícola. Existem três interpretações para o campesinato: a primeira defende que o processo de tecnicização da agricultura vai acabar com os camponeses; a segunda considera que os camponeses vão se transformar em trabalhadores integrados à industria capitalista, ou seja, vão construir o “agronegocinho”. Já a terceira aponta que a divulgada extinção do campesinato não ocorreu, pois, historicamente, os camponeses seguem resistindo e se multiplicando conforme a lógica de vida que desejam. Me parece que o termo “agricultura familiar” está sendo usado de acordo com a segunda interpretação, a de trabalhadores integrados ao sistema capitalista.

Quando usamos o termo “campesinato”, estamos defendendo outra concepção: dizemos que é possível produzir de forma diversificada, em pequenas propriedades, além de construir circuitos locais de comercialização. É outra lógica. O campesinato é um modo de ser e de viver. O centro da preocupação do campesinato é a reprodução social da família, permanecendo no campo. Isso traz toda uma relação diferente com a terra e com a natureza, segundo uma lógica de continuidade e não de exploração da terra. No entanto, ainda é comum considerar o camponês um homem feudal. Quem pensa assim esquece que existe tecnologia barata para facilitar a vida no campo, sem a necessidade de integrar o camponês ao agronegócio. Então, agronegócio, agricultura familiar e campesinato são três conceitos diferentes, três projetos políticos diferentes para o campo, o que não equivale a dizer que a união entre os dois primeiros não seja perfeitamente possível e necessária para a agricultura capitalista.

Fonte : Ascom UFG

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