Conheça a história de José Claudio e Maria, o casal de castanheiros que pagou com a vida ao defender a floresta amazônica
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A amizade de José Claudio e do autor desta matéria, Felipe Milanez, também surgiu na floresta
Foto: Felipe Milanez |
"Essa é a Majestade. A mãe de todas as outras castanheiras por aqui",
mostra orgulhoso José Cláudio, 54 anos. Nova Ipixuna, sudeste do Pará,
assentamento Praia Alta Piranheira. Outubro de 2010, últimos dias da
época da seca. Estamos no centro de onde foi um dia considerado o maior
castanhal da Amazônia.
José Claudio tinha orgulho de ser apelidado de "Zé Castanha".
Descendente de índios que teriam sido capturados e atacados por
castanheiros, cresceu nesse mato, com seu pai, que também vivia da
economia desse fruto. Ai de quem se atrevesse a cortar uma castanheira.
José ficava bravo: "Eu vejo como um outro ser que morre", diz enquanto
caminhamos no mato, voltando da Majestade.
E, para proteger a floresta, procurava os meios legais. Denunciava. Por
denunciar, foi ameaçado por fazendeiros e madeireiros da região. Assim
foi assassinado, junto de sua esposa, Maria do Espírito Santo, também
com 54 anos, no dia 24 de maio de 2011.
Nos dias subsequentes uma série de outros assassinatos de assentados
ligou um sinal vermelho sobre o que pode estar ocorrendo na região. Os
últimos meses foram de intenso desmatamento - uma alta de 500% no Mato
Grosso, em abril, e aumento de 72%, segundo o Imazon (Instituto do Homem
e Meio Ambiente da Amazônia), na Amazônia em maio.
Mas como José e Maria viviam da floresta?
Rodeados de floresta
"As empresas acham que trabalhar com a natureza é como trabalhar com o
agronegócio", afirmou José. "Nós que trabalhamos com a natureza não
podemos firmar contrato nenhum de quantidade de produto. Por exemplo, eu
disputo a andiroba com os animais da floresta. Os papagaios, as araras,
comem ela lá em cima. Quando caem no chão, disputo com paca, veado,
caititu. Sem contar os que ficam perdidos na folhagem da floresta. Vou
aproveitar na base de 30% da produção da árvore." Para ele, não poderiam
comparar o óleo de andiroba ou de castanha com o óleo de soja.
Plantavam mandioca. Criavam galinha e pato. Quase não comiam carne de
boi. Tinham uma horta. Não usavam agrotóxicos. "A comida eu colho da
floresta e planto", disse José. "Tenho um carro na garagem, uma moto. Eu
vivo bem". Ele dizia, no entanto, que faltava ajuda do governo,
subsídios, apoio do Incra - principalmente em regularizar e fiscalizar o
assentamento.
A universidade local tinha um programa, o Laboratório Socioagronômico
do Tocantins (Lasat), que auxiliava o desenvolvimento da produção.
Emanoel Vanberg, francês que chegou a Marabá em 1975, era amigo do casal
e um dos coordenadores do curso. "A agricultura ecológica, com a
floresta, é viável, uma alternativa muito mais sustentável aos
assentados do que a economia do carvão vegetal e o pasto", ele explica,
em meio a alunos, no campus da Universidade Federal do Pará, em Marabá.
Na prática, José sabia. "Se eu vendo uma árvore dessas, o que para mim é
uma covardia, quanto vão me pagar? Duzentos reais. Ela viva, todo ano,
vai me dar isso com as castanhas. E eu tenho todo ano". A conta era
fácil.
Mas essa opinião só faz sentido para quem pensa em viver com a floresta
e não destruí-la para um ganho rápido. "Como é que um sujeito pode
vender uma árvore que ele não plantou, não aguou, não cuidou, não gastou
um centavo para fazer?", ele me pergunta. "O que a natureza leva anos e
anos para fazer, o cara acaba em menos de uma hora".
Tristeza, para ele, era escutar o barulho de uma árvore sendo serrada.
"Quando vai cair, você escuta o gemido dela, um ronco. E vai vendo as
folhas mexendo, como vão dando adeus".
Fonte: http://mdemulher.abril.com.br/bem-estar/reportagem/viver-bem/historia-casal-morreu-ao-defender-amazonia-637808.shtml